O caso do bebê com cardiopatia congênita que sobreviveu a um cateterismo
Hoje, 12/6, é o Dia de Conscientização da Cardiopatia Congênita, uma doença cujo diagnóstico precoce e acompanhamento pré-natal pode salvar vidas
compartilhe
Siga noSÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A cada mil bebês, de 8 a 10 nascem com cardiopatia congênita, malformações no coração ou em grandes vasos do órgão, como a aorta. Em alguns casos é necessário fazer intervenções precoces, como no caso do pequeno Gabriel, de apenas 1 mês de vida, que teve de fazer um cateterismo para corrigir o defeito conhecido como coartação da aorta, um estreitamento nesse grande vaso. Nesta quinta (12/6), celebra-se o Dia de Conscientização da Cardiopatia Congênita, doenças cujo diagnóstico precoce, feito até mesmo no acompanhamento pré-natal, pode ser crucial.
Leia Mais
- Saúde registra anomalia congênita em bebê associada ao Oropouche
- Exames de última geração podem diagnosticar cardiopatias congênitas no feto
Não houve alarde, mas a médica indicou que a investigação se aprofundasse com especialistas. Depois de realizados o ultrassom morfológico e um ecocardiograma, estava claro o defeito congênito, a coartação da aorta. É uma condição grave, silenciosa ao nascimento, mas capaz de matar já nos primeiros dias de vida.
"A gente pensa o quê? ?Eu posso perder o meu filho?", lembra Mariana. Mas o medo deu lugar ao planejamento. A partir dali, a gestação ou a ser monitorada de perto por Simone Pedra, cardiologista e chefe da Unidade Fetal do Hcor, com exames periódicos. A família decidiu que o parto seria no próprio HCor, que desde 2009 mantém uma unidade de parto especializada para bebês cardiopatas.
Gabriel nasceu às 6h58 da manhã de 2 de maio de 2025, com 3.515 gramas. Chorou, parecia perfeitamente saudável, mas a realidade se impôs: Mariana e Felipe puderam segurá-lo por apenas alguns minutos, o suficiente para uma foto antes que ele fosse levado à UTI neonatal. Mariana, ainda se recuperando da cesárea, só se reencontrou com o filho no fim do dia.
Na UTI, Gabriel começou a tomar prostaglandina, medicação que mantém aberto o canal arterial, uma agem natural entre a aorta e a artéria pulmonar. Essa estrutura é essencial durante a vida intrauterina, pois desvia o sangue dos pulmões, ainda inativos. Após o nascimento, o vão tende a se fechar. Mas em casos como o de Gabriel, ela precisa ser mantida aberta até o procedimento corretivo.
Felizmente, no caso, a alternativa cirúrgica deu espaço para um cateterismo, realizado aos 4 dias de vida do bebê, em 6 de maio, a fim de implantar um stent na aorta. A malha de metal foi colocada de modo a expandir a luz da aorta de Gabriel, com efeitos práticos imediatos.
"Foi o melhor para ele. A anatomia da aorta permitia essa abordagem menos invasiva. Não são todos os casos de coartação em que a gente pode usar essa técnica", diz Simone Pedra. Gabriel deixou a UTI dois dias depois e ou mais uma semana no quarto, até receber alta.
Pedra explica que, no procedimento, um cateter leva o stent até o local da obstrução. Fazem-se medições, injeta-se contraste para observar a anatomia e, em seguida, posiciona-se o stent com o auxílio de um balão, que é insuflado. "A obstrução da aorta foi totalmente eliminada", diz.
Mais uns dias de UTI e uma semana de hospital, e Gabriel pôde ir para casa. "A gente é de primeira viagem, então a gente obviamente tem muita preocupação. Já teria se não fosse cardiopata, né? Agora tem o triplo!", diz a mãe.
No dia 2 de junho, Gabriel completou um mês de vida. A rotina atual inclui tomar aspirina para evitar formação de trombos, mas mesmo esse remédio logo será retirado, explica Pedra. "Vida normal", diz.
Até chegar à vida adulta, Gabriel terá de ar em duas ou três ocasiões por outros cateterismos apenas para ajustar o tamanho da abertura, para a abertura acompanhar o crescimento do vaso.
As cardiopatias congênitas são as anomalias congênitas mais frequentes. Segundo a cardiologista Ieda Jatene, líder médica da área no Hcor, essas condições se dividem em dois grupos principais: acianogênicas e cianogênicas.
As acianogênicas são geralmente menos complexas: não provocam coloração arroxeada na pele (a chamada cianose) e muitas vezes permitem que a criança tenha qualidade de vida semelhante à de uma criança sem cardiopatia. Os sintomas costumam incluir cansaço ao mamar, suor excessivo durante o esforço, dificuldade para ganhar peso e infecções respiratórias recorrentes.
Esses sinais se devem ao aumento do fluxo sanguíneo nos pulmões, causado por defeitos como comunicação interatrial, comunicação interventricular ou persistência do canal arterial. Em geral, as intervenções corretivas podem ser agendadas para depois do primeiro ano de vida, quando o organismo já está mais desenvolvido.
Já as cardiopatias cianogênicas são mais graves e frequentemente exigem intervenção imediata, ainda nos primeiros dias ou semanas após o nascimento. Nesses casos, a circulação do sangue é comprometida de tal forma que a oxigenação é insuficiente, o que deixa os lábios, mãos e pés com coloração azulada.
O diagnóstico precoce é crucial, já que muitas dessas crianças precisam de múltiplas cirurgias nos primeiros anos de vida. O ecocardiograma fetal é o exame que permite detectar essas anomalias ainda na gestação.
"Hoje temos uma população de adultos com cardiopatia congênita duas vezes maior que a de crianças", afirma Ieda. Isso é resultado direto dos avanços no diagnóstico e tratamento precoce. Mas o alerta continua: identificar os sinais e agir rapidamente ainda é o fator mais determinante para o sucesso.
Segundo os CDC (Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA), 25% dos casos de cardiopatias congênitas são considerados críticos, exigindo intervenções ainda no primeiro ano de vida. O tipo mais comum é o defeito do septo ventricular, uma abertura entre os ventrículos do coração.
Outra maneira de investigar esses defeitos é identificar os chamados sopros, alterações nos ruídos gerados pelos batimentos cardíacos e pelo fluxo sanguíneo. "Sopro não é a doença. O sopro é o que o médico consegue escutar com o estetoscópio e com isso ele consegue eh dependendo do tipo do sopro tentar já caminhar para um diagnóstico que é confirmado pelos exames, incluindo o ecocardiograma", diz Ieda Jatene.
Ela relata que antes havia uma estatística de que 50% dos operados na infância atingiam a vida adulta. "Hoje cerca de 90% das crianças operadas chegarão à adolescência e à vida adulta. Inclusive a gente tem um grupo já de adultos acima dos 60 anos", relata.
Apesar dos avanços nos procedimentos, o diagnóstico precoce continua sendo o principal fator para o sucesso terapêutico. Crianças com cardiopatias congênitas também têm maior propensão a alterações no desenvolvimento. Estima-se que quase 60% dessas crianças tenham necessidades especiais de saúde, índice três vezes maior do que entre crianças sem essa condição.
"Tem quem diga, quem procura acha?. Eu prefiro achar antes, foi isso que salvou o meu filho", diz Mariana.