
A princípio destinado ao desenvolvimento do automobilismo no estado, se estabeleceu mesmo como um clube social, sede de encontro das tradicionais famílias mineiras e sinônimo de status social. Projetado pelo arquiteto Luís Signorelli e construído pela Carneiro de Rezende & Co., o prédio representa um marco na história da cidade. No estilo dos palácios europeus, apresenta linhas sóbrias e um conjunto majestoso. Na fachada principal, três portas em arco perfeito, com folhas de ferro fundido.
O Salão Dourado foi inspirado no Salão de Espelhos do Palácio de Versalhes, em Paris, e decorado por três lustres de cristal da Boêmia, região europeia que pertencia à extinta Tchecoslováquia. Outro ambiente carrega do de imponência, o Salão Príncipe de Gales ou a se chamar assim após a visita de membros da realeza britânica em 1931: Edward VII, o príncipe de Gales, e o seu irmão, George VI, que se tornou rei da Inglaterra.
Atrações
O mobiliário e a pintura de todo o prédio foram feitos pela Casa Laubisch & Hirth e a decoração mistura itens clássicos, inspirados nas culturas inglesa e sa, com muito espelho, mármore e pisos artísticos. O Automóvel Clube é patrimônio cultural tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG) e pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte. Com cerca de 4 mil metros quadrados, ele é exaltado pela sociedade belo-horizontina como o local mais nobre para encontros, jantares, recepções e eventos que primam pela excelência.
O Automóvel Clube se transformou em algo bem maior do que previam os seus fundadores. É a sede das reuniões mais luxuosas e concorridas da capital e imortalizou uma época de ouro de Belo Horizonte. Para realizar um evento no prédio, é preciso ser sócio ou ter indicação de um deles. E para ter uma cota é necessário ar pela aprovação da diretoria.
Aliás, nos tempos de glória, o clube só reunia os chamados bem-nascidos da capital. Para fazer parte, a pessoa precisava carregar o sobrenome de uma tradicional família mineira e ar por uma espécie de júri. Apesar de menos rigoroso, é assim até hoje: é preciso ser aprovado para se tornar sócio. Atualmente, o clube tem mais de 700, mas chegou a ter 1,5 mil.
Presidente do Automóvel Clube, o engenheiro Paulo Henrique Vasconcelos enfatiza que a entidade se transformou em uma espécie de sala de visitas de Minas, pela importância histórica na capital, tendo sido palco de grandes momentos e agens sociais e políticas. Ele se diz honrado em presidi-lo, com a diretoria e colaboradores, e pretende fazer obras para criar novas atrações para os sócios, como ampliação das áreas de eventos, trazendo o clube para os tempos modernos; criação de espaços destinados à memória e história, em área vizinha ao edifício, cedida pelo governador Antônio Anastásia, presidente de honra da entidade. Também está prevista a construção de um lounge, um spa com sauna, além da restauração do prédio.”
Lembranças
A sócia Letícia Nelson Senna tem a vida ligada ao Automóvel Clube. Conheceu o marido, Paulo Emílio Nelson de Senna, na hora dançante do clube, se casou no Salão Dourado, onde fez a festa de 15 anos e o casamento da filha. E a neta há pouco tempo também fez seu début por lá. “O Automóvel Clube é um ícone de Belo Horizonte, assim como o Palácio das Artes, Parque Municipal e o conjunto da Pampulha. Mesmo para quem nunca frequentou, é um prédio de valor histórico para todos os mineiros, um clube de tradição que conserva valores ainda que eles mudem ou se perdem no dia a dia.”
Letícia não é saudosista, mas guarda boas lembranças. “Sou do tempo em que os filhos dos sócios ganhavam presentes de Natal. E o sábado de carnaval, a rigor ou com fantasias ricas, era minha festa preferida. Pode se comparar com o atual festa do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. Quem embalava a folia era a orquestra com 30 ou 40 músicos, nada de conjunto, banda e DJ.”
Marcos Henrique Caldeira Brant, juiz auxiliar da Corregedoria Geral de Justiça, sócio-proprietário do clube há 23 anos, lamenta que a memória do clube encontre-se fragmentada por falta de consciência do valor do patrimônio cultural. Para ele, muito se perdeu ao longo dos anos, principalmente documentos e objetos. “Mas, desde 2011, depois de sugestão apresentada à diretoria, tentamos levantar precisamente toda a historia do clube. O trabalho não é fácil, já que demanda tempo e paciência.”
Novo tempo
Octagenário, o Automóvel Clube vive outros tempos. Não sustenta mais o glamour do século 20. Não há exigência do black-tie para os homens ou os bailes anuais das meninas recém-formadas na Socila (escola de etiqueta para as debutantes). Ainda assim, o espaço carrega a áura de um grupo seleto e privilegiado que frequenta seus salões. Mantém-se imponente e inspirador.
Hoje, funciona exclusivamente para encontros, jantares, recepções e eventos organizados pelos sócios. E abriga um restaurante, o Bon Appetit, aberto ao público, reinaugurado pelo renomado chef italiano sco Carli. O clube disponibiliza seus espaços refinados para de festas, eventos, jantares para sócios e não sócios. E com o modelo de gestão de Paulo Henrique Vasconcelos, o que se espera é que o Automóvel Clube adote as exigências modernas, sem jamais perder seu ar de realeza.
PERSONAGEM DA NOTÍCIA: JOSÉ LUIZ COSTA, MAÎTRE, FUNCIONÁRIO MAIS ANTIGO
Ao lado das celebridades
São 44 anos de dedicação e a vida construída dentro e a partir dos salões do Automóvel Clube. Foi contratado aos 16 e começou como comin, primeiro e único emprego. Muitos degraus depois, há 20 é o maitre-geral, responsável pelo restaurante, eventos, garçons, enfim, é o comandante-geral do salão. Conviveu com autoridades políticas, judiciais e religiosas, personalidades estrangeiras e celebridades nacionais. “Sinto-me emocionado por fazer parte da história. Meu momento mais marcante foi na festa dos 50 anos, quando o presidente Juscelino Kubitschek fez questão de cumprimentar todos os funcionários e foi até a cozinha. Uma honra inesquecível.” O maitre sente-se orgulhoso de sua trajetória, aposentou-se e continua trabalhando. E tem inúmeros agradecimentos: “Além do presidente atual, que é um visionário, valoriza o funcionário e vai revolucionar o Automóvel Clube, sou extremamente grato a Milton Gomes por ajudar os funcionários, reformando casas e pagando dívidas. Ele me ajudou a comprar meu primeiro carro, um Fusca 1961 azul, e Hélcio Levindo Coelho, muito humano, encarava o funcionário como companheiro do dia a dia”. E acrescenta: “Fico feliz por ter presenciado várias vezes a história, já que assisti a posses de governadores e encontros políticos decisivos."
CURIOSIDADES
» Em setembro de 1957, uma festa começou às 22h e terminou ao meio-dia.
» Em apenas um mês, julho de 1958, foram 31 festas para jovens e 12 para casais.
» No saguão do prédio, foi instalado o segundo elevador de BH.
» Certa vez, um casal um casal entrou no prédio, fez o sinal da cruz e saiu logo depois, confundindo o clube com uma igreja.
» Britânico é outro nome dado ao Automóvei Clube.
LINHA DO TEMPO
– 1925: Em 17 de dezembro é fundado o Automóvel Clube de Minas Gerais
– 1926: Após cisão entre sócios, a primeira sede é instalada no Palacete Dantas, na Praça da Liberdade, em 14 de junho
– 1928: Doação de terreno pelo presidente do Estado Mello Viana e prefeito Flávio dos Santos
– 1929: Inauguração da sede, projetada por Luís Signorelli, na Afonso Pena, em frente ao Parque Municipal
– 1931: Visita da realeza britânica: Edward VII, o príncipe de Gales, e o irmão George VI, depois rei da Inglaterra
– 1975: Festa do cinquentenário, a última a contar com a presença do casal Juscelino e Sarah Kubitschek
– 1988: Edifício é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG)
– 2005: Ao comemorar seus 80 anos, clube retoma parceria com os Diários Associados para a Jornada Solidária, que marcou época na sociedade
– 2012: Estado cede ao clube em comodato prédio da Sociedade Mineira dos Engenheiros para centro cultural